sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Um novo dia


Acordei cedo como é hábito em Junho. Já não consigo sair da cama sem antes agradecer o facto de estar viva, sem que antes permaneça quieta numa profunda inspiração e repita pausadamente “este é o primeiro dia da minha vida. Que cor tem o céu? O que são pássaros? A que sabe uma maça? O que se sente quando se faz amor? O que é um abraço?”. Rodeio-me de espanto e sem tentar sequer responder ás perguntas, passo as mãos pelo rosto como se fosse a primeira vez que o estivesse a fazer. Entrego-me à descoberta do tacto, ao mesmo tempo que vagueio pela visão turva do despertar matinal. Esfrego os olhos preparando-os para receber a luz do dia e brinco com as ramelas que tiro do olho direito. Gosto deste gesto, respeito-o como se fosse um ritual, como se elas fossem a placenta da qual me livro para poder ver o mundo com os meus próprios olhos. Depois é sair debaixo dos lençóis e experimentar a audição. Junto ao espreguiçar um audacioso bocejo e um sonoro “BOM DIA. AQUI ESTOU EU ENTREGUE AO TEU DESIGNÍO E A NASCER PARA UM NOVO MUNDO”. Finjo esquecer-me de quem sou e, como se fosse um balão vazio, encho-me apenas de oxigénio. Leve, pronta a ir onde o vento me levar.



quarta-feira, 15 de outubro de 2008

O arrependimento


Perdi-te no dia em que disseste não saberes se era eu. Fiquei sem rumo no instante em que da tua boca saíram palavras confusas e me deixaste submersa em pensamentos pouco claros e todos eles difusos. Estava decidida a por um ponto final nos mais de três anos de relacionamento. Como pude deixar que me enganasses assim? Como não questionei todos os conceitos e não coloquei a hipótese de que também podia acontecer comigo? Sabes que te amei e que ainda te amo. Pior, sabes que continuo a ter a certeza que só contigo é possível? Naquele dia fingi ser forte e nem uma lágrima me viste, mas a verdade é que desejei morrer no instante que foste. Continuo a não encontrar um sentido para esta vida que sente falta de ti. Não me lembro da última vez que vi a luz do dia e nem penso que comerei hoje ao almoço. Há muito que não sei o que é estar com a família, fazer um jantar com os amigos. Todos pensam que enlouqueci e a verdade é que deixaram de acreditar em mim. Nas primeiras semanas eram telefonemas diários, pedidos para regressar, visitas constantes. Para todas elas a mesma resposta, o silêncio. Compreendo que estejam fartos de ver que não reajo enquanto vagueias por lugares desconhecidos. Já pensei que o melhor era procurar por ti. Por enquanto vou ficando por aqui. Quem sabe entrarás por aquela porta e digas que sou o amor da tua vida, que perdoas os meus erros e que todas as promessas de amor eterno vão ser agora cumpridas.

Hoje aceitei receber a visita da minha mãe. Ficou comigo o tempo suficiente para perceber que ao longo destes dois últimos anos nada mudou. Chora sempre que me vê. Lamenta-se por não compreender este inferno em que vivo e pede-me sempre que lute. Ela tem o peso de uma folha de papel na minha vida, como todos eles, como o mundo. Hoje veio carregada de comida. Bolos de chocolate, iogurte, frutas. Disse-lhe que fosse entregar tudo a uma instituição de caridade, não vou conseguir tocar em nada. Não quero ter que estar preocupada com a preocupação dos outros por mim. Pode roçar o limiar da crueldade humana, mas a verdade é que me estou borrifando para todos. Já pedi que fingissem que morri, a verdade é que não está assim tão longe da realidade. Miguel, porque é que tinhas que estragar tudo? Foi em ti que depositei todos os sonhos de um amor verdadeiro e dói saber que não vou a tempo de resgatá-los. Não há dia que não marque o teu número de telemóvel na tentativa de ouvir a tua voz. Por onde andas que não te sinto?

Acordei do sono

Estamos sozinhos. Olhamos à nossa volta e não está ninguém. Tentamos observar a imagem reflectida no espelho e só conseguimos ver um profundo buraco negro. Segredam-nos ao ouvido que o mundo que observamos não passa de um jogo entre nós e a nossa imaginação. Que o carro preto, os amigos que tanto amamos, o amor da nossa vida, a mãe, o pai, o gato, o copo, a caneta e o cobertor são imagens criadas pela nossa mente e que não existem na realidade. A primeira reacção é tentar calar essa voz e rotulá-la de “inoportuna e louca”. Mas se conseguimos domesticar o ego, começamos a querer ouvir o que essa voz tem para nos dizer. E aos poucos vamos querendo ouvi-la com mais frequência, até que chegue o dia em que ela se torna a nossa melhor companhia e de louca passa a sábia. Vamos gostando de a ouvir porque é ela que nos leva para um mundo que é só nosso e onde podemos dizer, fazer e ser o que nunca ousámos exprimir.

Assumo que a minha voz ainda fala em decibéis de baixa intensidade e que preciso de criar momentos de silêncio para que a possa ouvir. Tem sido um desafio aprender a amar esta voz, a aceitá-la e a viver com ela. Mas mais do que nunca sinto que, por muito doloroso que seja, preciso de criar um espaço onde ela se manifeste. Como a vida já me ensinou que fazemos batota sempre que julgamos encontrar a nossa salvação no mundo exterior e como pela primeira vez sinto estar preparada para viver esta verdade, na prática não vejo outra solução senão encontrar esse espaço dentro de mim. Podia dizer que é menos fácil fazê-lo, mas no caso a expressão correcta é “dói como o caraças e arrepia de tão difícil que é”. Mas não consigo conceber a minha vida de outra forma. Os passos neste momento deixam vestígios apenas dentro de mim. Chega de procurar nos outros (objectos, pessoas, cursos, viagens, livros…) a felicidade. Chega de achar que a felicidade depende de circunstâncias e acontecimentos. Chega de pensar que “serei mais feliz quando acontecer isto ou aquilo. Chega de ter a cabeça presa ao passado ou projectada no futuro. Quero aprender a estar presente no momento. Quero aprender a estar bem com a minha companhia sem sentir o plexo solar a asfixiar. Quero amar-me verdadeiramente. Quero conseguir passar uma semana só comigo, sem ter de estar sempre presa ao telemóvel para me sentir acompanhada. Quero abraçar-me e mimar-me como faço a quem amo. Quero falar sozinha, como se estivesse a falar com o meu melhor amigo. Quero desconstruir falsas crenças. Quero perceber a origem do meu comportamento e arrancar o mal pela raiz. Quero parar.

Nada disto acontece do dia para a noite, sei que ainda agora iniciei esta viagem, mas estou a escolher fazer diferente. Estou a escolher conhecer-me verdadeiramente e desmontar a “Vera” que construí ao longo de 28 anos. Perceber que partes dela são verdadeiras e quais as que foram construídas para corresponder a expectativas, preencher carências emocionais ou para me conseguir encaixar em algum padrão social.

Tenho consciência que é trabalho de uma vida, mas como sou optimista acredito que posso fazer o meu melhor e chegar lá. Não acredito na perfeição absoluta e também não é isso que procuro. Tenho fé no equilíbrio, nas leis imutáveis que regem o Universo e que é aprendendo a ser leve e a aceitar o meu lado sombra e o meu lado luz, que conseguirei sentir-me em paz.