domingo, 28 de dezembro de 2008

Graça e Coragem, parte II - Ken Wilber


" Telefonei à família. Não me lembro exactamente do que disse, mas foi alguma coisa como: "por favor, venham o mais depressa possível." Telefonei a Warren, o querido amigo que tinha estado a ajudar Treya com acupunctura durante os últimos meses. Mais uma vez não me lembro do que disse. Mas acho que o meu tom de voz disse :"é altura de morrer."



A família começou a chegar bastante cedo e cada membro teve a oportunidade de ter uma última conversa aberta com Treya. O que mais me lembro é de ela dizer como amava tanto a sua família, como se sentia incrivelmente afortunada por ter cada um deles. Era como se Treya estivesse determinada a deixar tudo em "pratos limpos" com todos os membros da família. Da sua combustão só ia resultar a pura cinza, no seu corpo não iam sobrar frases por dizer, não ia restar nenhuma culpa, nem nenhuma responsabilidade. E tanto quanto sei, ela conseguiu.



(...)Por volta das 3.30 da madrugada, Treya acordou abruptamente. A atmosfera era quase alucinogénica. Eu acordei de imediato e perguntei-lhe como estava. " Está na altura da morfina?", disse ela com um sorriso. Em toda a sua provação com o cancro, Treya tinha tomado um total de quatro pastilhas de morfina. "Claro amor, tudo o que quiseres". Dei-lhe uma pastilha de morfina e um comprimido para dormir de efeito moderado e tivemos a nossa última conversa.

"Amor, acho que é altura de partir", começou ela.

"Eu estou aqui, querida."

"Estou tão feliz-". Longa pausa. "Este mundo é tão estranho. É mesmo tão estranho. Mas eu vou-me embora." O seu estado de espírito era de alegria, de humor e determinação.


Comecei a repetir várias das frases "essenciais" provenientes das tradições religiosas que ela considerava tão importantes, frases que ela queria que eu lhe lembrasse até ao momento do fim.

"Descontrai com a presença do que É", comecei eu. "Permite que o Eu se estenda pela vasta imensidão de todo o espaço. A tua mente primordial não pode nascer nem morrer. Não nasceu com este corpo e não morrerá com este corpo. Reconhece que a tua mente é eternamente una com o Espírito."



A sua face descontraiu-se e Treya olhou para mim de uma forma clara e directa.

"Vais-me encontrar?"

"Prometo."

"Então é tempo de partir."

Houve uma pausa muito longa e todo o quarto me pareceu ficar iluminado (...). Foi o momento mais sagrado, o momento mais directo, o momento mais simples que eu já mais conheci. Não sabia o que fazer. Estava simplesmente presente para Treya.


Ela movimentou-se em minha direcção, tentando fazer um gesto, tentando dizer alguma coisa, a última coisa que ela me disse. "És o maior homem que eu já conheci. O meu campeão.", sussurou ela. Debrucei-me sobre Treya para lhe dizer que ela era a única pessoa realmente iluminada que eu conhecera. Que um Universo que tinha produzido Treya, era um Universo sagrado. Que Deus existia por sua causa. Eu queria dizer-lhe tudo isto, mas a minha garganta cerrou-se sobre si mesma. Eu não conseguia falar. Balbuciei apenas, "vou-te encontrar querida, a sério que vou..."



Treya fechou os olhos e, para todos os fins, nunca mais os abriu.

Graça e Coragem, parte I - Ken Wilber

" E assim começaram as mais extraordinárias 48horas da nossa vida em conjunto. Treya tinha decidido morrer. Não havia nenhuma razão médica para ela morrer nesta altura. Com medicação e medidas de apoio modestas, os seus médicos achavam que ela podia viver, pelo menos, mais alguns meses, ainda que num hospital, e sim, depois morreria. Mas Treya já tinha tomado a sua decisão. Ela não ia morrer assim, num hospital, com tubos a saírem dela e com morfina intravenosa contínua e com a inevitável pneumonia e com a lenta sufocação - todas as terríveis imagens que me tinham passado pela cabeça. E eu tinha a sensação estranhíssima de que, independentemente das suas outras razões, Treya ia-nos poupar a todos essa provação. Passaria simplesmente por cima disso, muito obrigado, e morreria agora pacificamente.

Nessa noite, pus Treya na cama, e sentei-me ao lado dela. Ela tinha ficado quase extática. "Vou-me embora, nem acredito, vou-me embora. Estou tão feliz, estou tão feliz." Como um mantra de libertação final, ela continuava a repetir:"estou tão feliz, estou tão feliz..."

Todo o seu semblante se iluminou. Treya brilhava. E mesmo diante dos meus olhos, o seu corpo começou a mudar. No espaço de uma hora, pareceu-me que ela tinha perdido cinco quilos. Era como se o seu corpo, aceitando a sua vontade, tivesse começado a encolher e a afundar-se sobre si próprio. Ela começou a encerrar os seus sistemas vitais, começou a morrer. (...)

Depois, de uma forma abrupta, Treya disse: "Mas não te quero deixar. Amo-te tanto. Não te posso deixar. Amo-te tanto." Ela começou a chorar, a soluçar, e eu comecei a chorar e a soluçar também. Senti que estava a chorar todas as lágrimas todas as lágrimas dos últimos 5 anos, lágrimas profundas que eu tinha contido para poder ser forte para Treya. Falámos demoradamente do nosso amor um pelo outro, um amor que nos tinha tornado a ambos mais fortes, melhores e mais sábios. O nossa carinho um pelo outro tinha-nos proporcionado décadas de crescimento, e agora, sentíamo-nos ambos esmagados face à conclusão de tudo aquilo. Parece tão seco, mas foi o momento mais terno que já conheci , com a única pessoa com quem o poderia ter conhecido.

"Querida, se é altura de partir, então é altura de partir. Não te preocupes, eu vou-te encontrar. Já te encontrei antes, prometo que te volto a encontrar. Por isso, se queres ir embora, não te preocupes. Vai."
" Prometes que me vais encontrar?"
" Prometo."
" Então posso partir. Nem acredito. Estou tão feliz. Isto foi tão mais difícil do que eu alguma vez pensei. Querido, foi tão difícil."
"Eu sei amor, eu sei".

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Relacionamentos, solidão e equívocos


"Os relacionamentos existem para as pessoas aprenderem grandes lições sobre si próprias, sobre a vida, sobre os valores fundamentais da existência. Antes de aceitarmos até às últimas consequências a nossa condição de seres solitários, não temos como estabelecer relações reais com os outros. Nós queremos fugir da solidão, em vez de atravessá-la. Se ao menos pudéssemos aceitá-la, abençoá-la, ela passaria a ser uma conquista da nossa consciência.



E só a partir dessa consciência poderemos ter relações saudáveis uns com os outros, simplesmente porque já não iremos aos relacionamentos para pedir, mas para dar. E essa é a lei do amor humano: amar é dar, é partilhar, é transbordar. Não é pedir, precisar, depender. Não é estabelecer acordos de vampiros para preenchermos um vazio que vivemos como uma carência.



Nas relações pessoais, ou somos mendigos ou imperadores. Quem não atravessa a solidão só pode viver como um mendigo, exigindo atenção, amor, cuidados, cobrando a presença do outro. Vivendo relacionamentos pouco saudáveis, pouco livres, ou que pouco lhe devolvem de si próprio - mas que são o preço a pagar para ter alguém do seu lado, o preço a pagar para não se estar só.



Mas se carregarmos essa dependência emocional imatura e irresponsável pela vida afora, projetando-a para cima de quem julgamos amar, a vida conduz-nos a experiências de sofrimento, de perda, de rupturas amorosas. E é tão-só o Universo, programado que está para a evolução, dizendo-nos: "não podes depender de ninguém, e sempre que o fizeres vais ser recordado pela dor, que não deves viver como um mendigo, mas como um imperador. Dá o teu melhor aos outros sem depender deles para te sentires alimentado. A tua dádiva é a tua maior riqueza, a tua carência a causa do teu sofrimento". E só assim podemos aprender."



Com esta publicação presto uma pequena homenagem ao Nuno Michaels, um querido ser-humano e um excelente astrólogo, autor deste texto que me toca tão profundamente.




sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Um novo dia


Acordei cedo como é hábito em Junho. Já não consigo sair da cama sem antes agradecer o facto de estar viva, sem que antes permaneça quieta numa profunda inspiração e repita pausadamente “este é o primeiro dia da minha vida. Que cor tem o céu? O que são pássaros? A que sabe uma maça? O que se sente quando se faz amor? O que é um abraço?”. Rodeio-me de espanto e sem tentar sequer responder ás perguntas, passo as mãos pelo rosto como se fosse a primeira vez que o estivesse a fazer. Entrego-me à descoberta do tacto, ao mesmo tempo que vagueio pela visão turva do despertar matinal. Esfrego os olhos preparando-os para receber a luz do dia e brinco com as ramelas que tiro do olho direito. Gosto deste gesto, respeito-o como se fosse um ritual, como se elas fossem a placenta da qual me livro para poder ver o mundo com os meus próprios olhos. Depois é sair debaixo dos lençóis e experimentar a audição. Junto ao espreguiçar um audacioso bocejo e um sonoro “BOM DIA. AQUI ESTOU EU ENTREGUE AO TEU DESIGNÍO E A NASCER PARA UM NOVO MUNDO”. Finjo esquecer-me de quem sou e, como se fosse um balão vazio, encho-me apenas de oxigénio. Leve, pronta a ir onde o vento me levar.



quarta-feira, 15 de outubro de 2008

O arrependimento


Perdi-te no dia em que disseste não saberes se era eu. Fiquei sem rumo no instante em que da tua boca saíram palavras confusas e me deixaste submersa em pensamentos pouco claros e todos eles difusos. Estava decidida a por um ponto final nos mais de três anos de relacionamento. Como pude deixar que me enganasses assim? Como não questionei todos os conceitos e não coloquei a hipótese de que também podia acontecer comigo? Sabes que te amei e que ainda te amo. Pior, sabes que continuo a ter a certeza que só contigo é possível? Naquele dia fingi ser forte e nem uma lágrima me viste, mas a verdade é que desejei morrer no instante que foste. Continuo a não encontrar um sentido para esta vida que sente falta de ti. Não me lembro da última vez que vi a luz do dia e nem penso que comerei hoje ao almoço. Há muito que não sei o que é estar com a família, fazer um jantar com os amigos. Todos pensam que enlouqueci e a verdade é que deixaram de acreditar em mim. Nas primeiras semanas eram telefonemas diários, pedidos para regressar, visitas constantes. Para todas elas a mesma resposta, o silêncio. Compreendo que estejam fartos de ver que não reajo enquanto vagueias por lugares desconhecidos. Já pensei que o melhor era procurar por ti. Por enquanto vou ficando por aqui. Quem sabe entrarás por aquela porta e digas que sou o amor da tua vida, que perdoas os meus erros e que todas as promessas de amor eterno vão ser agora cumpridas.

Hoje aceitei receber a visita da minha mãe. Ficou comigo o tempo suficiente para perceber que ao longo destes dois últimos anos nada mudou. Chora sempre que me vê. Lamenta-se por não compreender este inferno em que vivo e pede-me sempre que lute. Ela tem o peso de uma folha de papel na minha vida, como todos eles, como o mundo. Hoje veio carregada de comida. Bolos de chocolate, iogurte, frutas. Disse-lhe que fosse entregar tudo a uma instituição de caridade, não vou conseguir tocar em nada. Não quero ter que estar preocupada com a preocupação dos outros por mim. Pode roçar o limiar da crueldade humana, mas a verdade é que me estou borrifando para todos. Já pedi que fingissem que morri, a verdade é que não está assim tão longe da realidade. Miguel, porque é que tinhas que estragar tudo? Foi em ti que depositei todos os sonhos de um amor verdadeiro e dói saber que não vou a tempo de resgatá-los. Não há dia que não marque o teu número de telemóvel na tentativa de ouvir a tua voz. Por onde andas que não te sinto?

Acordei do sono

Estamos sozinhos. Olhamos à nossa volta e não está ninguém. Tentamos observar a imagem reflectida no espelho e só conseguimos ver um profundo buraco negro. Segredam-nos ao ouvido que o mundo que observamos não passa de um jogo entre nós e a nossa imaginação. Que o carro preto, os amigos que tanto amamos, o amor da nossa vida, a mãe, o pai, o gato, o copo, a caneta e o cobertor são imagens criadas pela nossa mente e que não existem na realidade. A primeira reacção é tentar calar essa voz e rotulá-la de “inoportuna e louca”. Mas se conseguimos domesticar o ego, começamos a querer ouvir o que essa voz tem para nos dizer. E aos poucos vamos querendo ouvi-la com mais frequência, até que chegue o dia em que ela se torna a nossa melhor companhia e de louca passa a sábia. Vamos gostando de a ouvir porque é ela que nos leva para um mundo que é só nosso e onde podemos dizer, fazer e ser o que nunca ousámos exprimir.

Assumo que a minha voz ainda fala em decibéis de baixa intensidade e que preciso de criar momentos de silêncio para que a possa ouvir. Tem sido um desafio aprender a amar esta voz, a aceitá-la e a viver com ela. Mas mais do que nunca sinto que, por muito doloroso que seja, preciso de criar um espaço onde ela se manifeste. Como a vida já me ensinou que fazemos batota sempre que julgamos encontrar a nossa salvação no mundo exterior e como pela primeira vez sinto estar preparada para viver esta verdade, na prática não vejo outra solução senão encontrar esse espaço dentro de mim. Podia dizer que é menos fácil fazê-lo, mas no caso a expressão correcta é “dói como o caraças e arrepia de tão difícil que é”. Mas não consigo conceber a minha vida de outra forma. Os passos neste momento deixam vestígios apenas dentro de mim. Chega de procurar nos outros (objectos, pessoas, cursos, viagens, livros…) a felicidade. Chega de achar que a felicidade depende de circunstâncias e acontecimentos. Chega de pensar que “serei mais feliz quando acontecer isto ou aquilo. Chega de ter a cabeça presa ao passado ou projectada no futuro. Quero aprender a estar presente no momento. Quero aprender a estar bem com a minha companhia sem sentir o plexo solar a asfixiar. Quero amar-me verdadeiramente. Quero conseguir passar uma semana só comigo, sem ter de estar sempre presa ao telemóvel para me sentir acompanhada. Quero abraçar-me e mimar-me como faço a quem amo. Quero falar sozinha, como se estivesse a falar com o meu melhor amigo. Quero desconstruir falsas crenças. Quero perceber a origem do meu comportamento e arrancar o mal pela raiz. Quero parar.

Nada disto acontece do dia para a noite, sei que ainda agora iniciei esta viagem, mas estou a escolher fazer diferente. Estou a escolher conhecer-me verdadeiramente e desmontar a “Vera” que construí ao longo de 28 anos. Perceber que partes dela são verdadeiras e quais as que foram construídas para corresponder a expectativas, preencher carências emocionais ou para me conseguir encaixar em algum padrão social.

Tenho consciência que é trabalho de uma vida, mas como sou optimista acredito que posso fazer o meu melhor e chegar lá. Não acredito na perfeição absoluta e também não é isso que procuro. Tenho fé no equilíbrio, nas leis imutáveis que regem o Universo e que é aprendendo a ser leve e a aceitar o meu lado sombra e o meu lado luz, que conseguirei sentir-me em paz.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Para sempre


Digo-lhe o que nunca tive coragem de dizer. Reproduzo a fonética de cada palavra que sonhei a noite passada e encarno uma personagem corajosa, articulada e segura. "Correu bem", penso. "Muito mais fácil do que pensava. Tenho de arriscar mais vezes".

Quando chego a casa preparo uma chávena de chá, apanho as cartas que estão no chão e dou uma vista de olhos pela correspondência. "...aqui continua a chover. Aliás, desde que cheguei só vi o sol um dia. É bom, assim escuso de sentir o peso de estar em Amesterdão em trabalho e de mal poder passear pela cidade. Ias gostar disto. Prometo voltar contigo no Verão. Amo-te". Ligo a aparelhagem, ponho a música certa para reler as palavras dele vezes sem conta e chorar com um sorriso nos lábios. O computador continua avariado e não tenho paciência para entrar num cyber-café. "É bom alimentar as saudades", segredo-lhe eu ao ouvido. "Amo-o mais do que ele possa imaginar". E volto a sorrir.

Ela ouve-me tranquilamente e aceita-me com todas as fragilidades, medos, inseguranças, desesperos e ataques de ansiedade que possam aparecer pelo caminho. Peço-lhe que me abrace com força e me ame mesmo quando eu não acreditar em mim, mesmo quando ficar sozinha e tiver de aprender a amar-me mais do que qualquer outra coisa. "Amo-te incondicionalmente. Sou a tua eterna companheira. Só eu e tu. Só nós no final da tua história".

"...tenho a certeza que vou gostar muito de conhecer Amesterdão...podemos ficar na casa da Andreia e do Pedro, eles mudam-se para lá em Maio. Fazes falta aqui! Esta casa é grande demais só para mim, o armário é que continua a ser pequeno :) Quando voltares acertamos detalhes, sendo que não vou ceder o espaço que já adoptei como meu. Ok, cedo os cabides! Amo-te, volta depressa. P.S - Traz todo o queijo que conseguires".

“...sei que entendes a decisão que tomei. Mais do que entender, sei que me apoias. Preciso deste tempo para estar com ela, comigo e aprender a viver sem vícios emocionais. Prometo tentar cumprir a promessa de conhecer Amesterdão contigo e estar na Holanda em Junho. Vou sem data de regresso e sem destino marcado. Vai ser difícil mantermos contacto, mas ambos sabemos que não é isso que nos separa. Tu estás sempre aqui e eu farei por estar sempre por perto. Não te esqueças de alimentar a Kika e de a ires buscar à casa dos meus pais. Eles sabem de tudo e não te vão fazer perguntas. Amo-te”.

Encontro-me só com ela, e durante 3 meses só ela me ouve. A ausência de ruídos faz com que a sua presença seja tudo o que tenho neste momento. Ela e eu num bailado de fantasmas e anjos. Centro-me na luz que vem dela. “Esta é a minha história e, no final, quero chegar a casa contigo. Amo-te. Amo-me”.

Só por hoje


Existe um espaço entre nós ocupado pelo silêncio. É nele que repouso, fecho os olhos e observo a respiração que me conduz ao mais profundo de mim. Ás vezes apetece não sair daqui e perdurar na ausência de tempo, como se só assim fosse possível encontrar o caminho para a paz que tanto anseio. E é tão bom estar de regresso a casa… QUERO FICAR AQUI!!!

Subitamente os pés aterram num mundo que já não é o meu, num mundo que de tão apertado, deixou de me servir. Por isso tenho dias em que me sinto uma intrusa a espreitar este planeta pelo buraco da fechadura. Como se de uma estranha se tratasse, paro para observar o comportamento humano. Porque é que muitas vezes lhes vejo mexer a boca sem que dela saíam palavras de amor? Porque é que eu escolhi viver no meio deles e não aceitar que faço parte da mesma tribo? Porque é que dói tanto quando me apercebo que ainda não aceitei e perdoei a minha sombra? Porque é que todo o caminho percorrido com amor pode desaguar num fosso de ódio e medo? Porque é que custa tanto aceitar que em nós habita o Sol e a Lua? Porque é que ninguém nos ensina a amar a dualidade e a aceitar a luz e a sombra que acolhemos neste corpo físico? Porque é que muitas vezes esqueço o que já relembrei e me comporto como uma criança arrancada dos braços da mãe? Porque é que tenho tanta dificuldade em lidar com a polaridade liberdade/condicionamento? Porque é que tenho duas vozes diferentes dentro de mim? A qual devo dar ouvidos? Qual delas preciso de escutar para que continue a cumprir o meu plano evolutivo?

Depois é o medo do que os outros possam pensar, da figura à beira do gozo de que posso ser alvo. Mantenho presentes as palavras “o que pensas e dizes de mim, não me diz respeito”. Na espontaneidade dos actos reconheço o divino e agradeço a revelação. Nada é de fora para dentro. Nada. Isto podia tornar tudo mais fácil, mas é mentira. Quando nos damos conta desta verdade, deixamos de conseguir apontar o dedo ao outro e começamos a inverter os papéis. Nós somos os únicos responsáveis pela nossa realidade, os outros o espelho das arestas que temos de limar e dos saltos quânticos que vamos fazendo ao longo da viagem. A impermanência de todos os elementos grita-me aos ouvidos “nada te pertence”. E hoje, mais do que nunca, quero voltar para casa. Só por hoje.

No céu azul revejo os episódios que agora fazem todo o sentido. Cada peça que encaixo revela um pouco mais sobre o sentido da vida. Na quietude dos dias que passam sorrio por me ter permitido acreditar que era possível. Eu Sou feliz.


segunda-feira, 8 de setembro de 2008

9 Crimes

Leave me out with the waste
This is not what I do
It's the wrong kind of place
To be thinking of you
It's the wrong time
For somebody new
It's a small crime
And I've got no excuse
Is that alright?
Give my gun away when it's loaded
Is that alright?
If u don't shoot it how am I supposed to hold it
Is that alright?
Give my gun away when it's loaded
Is that alrightWith you?
Leave me out with the waste
This is not what I do
It's the wrong kind of place
To be cheating on you
It's the wrong time
She's pulling me through
It's a small crime
And I've got no excuse
Is that alright?
I give my gun away when it's loaded
Is that alright?
If you dont shoot it, how am I supposed to hold it
Is that alright?
I give my gun away when it's loaded
Is that alright
Is that alright with you?
Is that alright?
I give my gun away when it's loaded
Is that alright?
If you don't shoot it, how am I supposed to hold it
Is that alright?
If I give my gun away when it's loaded
Is that alrightIs that alright with you?
Is that alright?
Is that alright?
Is that alright with you?
Is that alright?
Is that alright?
Is that alright with you?

No...
Damien Rice

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Fico bem


A mim agradam-me as fraquezas e fragilidades. Fico feliz quando o copo cai e tranquilo quando o fim é triste. Penso escuro e não me ofusca o sol. Gosto quando chove mas não me assustam as cores da primavera. Sei chorar quando oiço um amo-te, e rir quando chega a hora de alguém partir. E sei ser mais neste cinzento. Reconheço um degrau ao falhar e uma íngreme subida em cada novo obstáculo. Gosto de parar quando todos andam e correr quando o tempo pára. Acordo contente só por saber que não existe nenhuma razão especial para tal..

E gosto de nadas. E incertezas. E vivo bem assim.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Cosmos


Quem somos nós? O que fazemos aqui? Para onde vamos? Mais cedo ou mais tarde todos nos questionamos sobre o sentido da vida, tentamos encontrar uma resposta que justifique a razão de estarmos vivos. Estas perguntas vivem comigo, diria mesmo que fazem parte do que sou, e muitas vezes dou por mim a sentir-me mais pequena do que um grão de areia. Outras julgo-me a dona da verdade e cheia de arrogância lá vou debitando umas frases que rotulo de verdades Universais. Quando sinto exceder-me trago à memória as imagens captadas no espaço pelo telescópio Hubble, apontando o infinito. Esmagador!!!!





Quanto mais penso e sinto estas questões, mais tenho tendência a excluir a religião e a encontrar um denominador comum: independentemente da crença de cada um (cristianismo, budismo, hinduismo,etc), a verdade é que a nossa morada é a mesma e chama-se planeta Terra. Penso não estar a exagerar se disser que esta pode ser uma das poucas verdades Universais, transversal a todos os credos. Então porque é que não paramos para tentar perceber o Universo que nos acolhe e que abarca em si todas as possibilidades e doutrinas religiosas? Se o Cosmos é o palco para os nossos devaneios divinos, porque é que lhe damos tão pouca importância? De que serve rezar o Pai Nosso ou mantrar o OM, se depois maltratamos o planeta que generosamente nos acolhe, e sem o qualquer as nossas vidas seriam nada? Sabemos ao menos que oceanos e terras fazem parte deste mundo?


É curioso pensar que somos feitos da mesma matéria que compõe as estrelas, o Sol e a Lua. Com eles temos em comum o hidrogénio, o magnésio e o sódio. Esta observação científica leva-nos a sentir unos com o Universo e dele depende a sobrevivência da espécie humana. Por isso, talvez mais importante do que erguermos cegamente a bandeira de uma qualquer religião, é cuidar da saúde do nosso querido planeta azul. Confesso achar de uma enorme incoerência seguir à risca, sem questionar, uma série de rituais em nome de Deus, quando bem à nossa frente a Terra definha de dia para dia. Não quererá "Deus", antes de qualquer coisa, que cuidemos da casa que "Ele"nos deu? É que sem ela nenhum Deus pode ganhar forma.


Li a seguinte frase num livro absolutamente fascinante, Cosmos, escrito por Carl Sagan (cientista e astronomo), e que nos chuta para canto no que toca à prepotência humana: "o conhecido é finito, o desconhecido infinito. Intelectualmente estamos numa ilha no meio de um oceano ilimitado de inexplicabilidade. O nosso dever em cada geração é recuperar um pouco mais de terra". Sejamos humildes e cuidemos da nossa casa. Esta é a nossa verdadeira herança ancestral.


segunda-feira, 11 de agosto de 2008


" Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge.
Mas finge sem fingires.
Nada esperes que em ti já não exista,
Cada um consigo é tudo.
Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas.
Sorte se a sorte é tua.
(...)
Aguardo, equânime, o que não conheço -
Meu futuro e o de tudo.
No fim tudo será silêncio, salvo
Onde o mar banhar nada."

Fernando Pessoa

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

A ti.



"A pedra fria assentava tão mal em ti. Nem queria acreditar. Desfazias o vinco das calças que sempre preservaste e defendeste como bandeira. Deitado, sem as colagens, sem as línguas, sem ninguém que se preocupasse em perceber o que dizias. Queria tanto contar-te os meus nadas. Aqueles que sempre viravas para gigantescas conquistas. Interessavas-te por tudo menos por isto. Estavas tão magro, parecias feito de pau, rijo, frio, sem respirar, sem rir. O teu nariz, enorme, fazia de ti uma personagem sinistra, tão pouco próxima de ti, tão longe de nós. Luís, repito, luís, angustiou-me ver-te assim. Esta morte, qualquer uma, não era para ti. És feito de vida e vais ficar sempre por aqui."


"Há momentos em que cada pormenor do vulgar ne interessa na sua existência própria, e eu tenho por tudo a afeição de saber ler tudo claramente.(...) Mas também há momentos, e um é este que me oprime agora, em que me sinto mais a mim que às coisas externas, e tudo se me converte numa noite de chuva e lama, perdido na solidão de um apeadeiro de desvio, entre dois comboios de terceira classe."


Fernando Pessoa

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A passagem das horas



"Nada me prende, a nada me ligo, a nada pertenço.
Todas as sensações me tomam e nenhuma fica.
Sou mais variado que uma multidão de acaso,
Sou mais diverso que o Universo espontâneo,
Todas as épocas me pertencem um momento,
Todas as almas um momento tiveram seu lugar em mim.
Fluido de intuições, rio de supor-mas,
Sempre ondas sucessivas,
Sempre o mar - agora desconhecendo-se
Sempre separando-se de mim, indefinidamente."

Fernando Pessoa