domingo, 28 de dezembro de 2008

Graça e Coragem, parte I - Ken Wilber

" E assim começaram as mais extraordinárias 48horas da nossa vida em conjunto. Treya tinha decidido morrer. Não havia nenhuma razão médica para ela morrer nesta altura. Com medicação e medidas de apoio modestas, os seus médicos achavam que ela podia viver, pelo menos, mais alguns meses, ainda que num hospital, e sim, depois morreria. Mas Treya já tinha tomado a sua decisão. Ela não ia morrer assim, num hospital, com tubos a saírem dela e com morfina intravenosa contínua e com a inevitável pneumonia e com a lenta sufocação - todas as terríveis imagens que me tinham passado pela cabeça. E eu tinha a sensação estranhíssima de que, independentemente das suas outras razões, Treya ia-nos poupar a todos essa provação. Passaria simplesmente por cima disso, muito obrigado, e morreria agora pacificamente.

Nessa noite, pus Treya na cama, e sentei-me ao lado dela. Ela tinha ficado quase extática. "Vou-me embora, nem acredito, vou-me embora. Estou tão feliz, estou tão feliz." Como um mantra de libertação final, ela continuava a repetir:"estou tão feliz, estou tão feliz..."

Todo o seu semblante se iluminou. Treya brilhava. E mesmo diante dos meus olhos, o seu corpo começou a mudar. No espaço de uma hora, pareceu-me que ela tinha perdido cinco quilos. Era como se o seu corpo, aceitando a sua vontade, tivesse começado a encolher e a afundar-se sobre si próprio. Ela começou a encerrar os seus sistemas vitais, começou a morrer. (...)

Depois, de uma forma abrupta, Treya disse: "Mas não te quero deixar. Amo-te tanto. Não te posso deixar. Amo-te tanto." Ela começou a chorar, a soluçar, e eu comecei a chorar e a soluçar também. Senti que estava a chorar todas as lágrimas todas as lágrimas dos últimos 5 anos, lágrimas profundas que eu tinha contido para poder ser forte para Treya. Falámos demoradamente do nosso amor um pelo outro, um amor que nos tinha tornado a ambos mais fortes, melhores e mais sábios. O nossa carinho um pelo outro tinha-nos proporcionado décadas de crescimento, e agora, sentíamo-nos ambos esmagados face à conclusão de tudo aquilo. Parece tão seco, mas foi o momento mais terno que já conheci , com a única pessoa com quem o poderia ter conhecido.

"Querida, se é altura de partir, então é altura de partir. Não te preocupes, eu vou-te encontrar. Já te encontrei antes, prometo que te volto a encontrar. Por isso, se queres ir embora, não te preocupes. Vai."
" Prometes que me vais encontrar?"
" Prometo."
" Então posso partir. Nem acredito. Estou tão feliz. Isto foi tão mais difícil do que eu alguma vez pensei. Querido, foi tão difícil."
"Eu sei amor, eu sei".

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